Bom, li esse artigo no site do "pastoetador" - como ele mesmo se intitula - Gerson Borges . Gostei e quero compartilhar com vocês, a fim de refletirmos, refazermos as escolhas musicais em nossas igrejas e, quem sabe, escrever novas músicas!! O que acham? rs...Boa leitura!
Mas que tipo de música se fazia no passado e que tipo de música fazemos hoje? Há quarenta, trinta anos atrás era uma música centrada em Deus e no seu Reino, descendente dos Salmos hebreus, da hinologia de Lutero, do canto calvinista baseado no Saltério, da teologia cantabile dos irmãos Wesley, dos canticos puritanos e avivalistas, dos hinários canônicos (Salmos e hinos, Hinário Presbiteriano, Cantor Cristão , Harpa Cristã et cetera), a sacada contextualizante e pop dos Gaithers (”O Rei está voltando” , ”Tocou-me”, ”Quando Jesus estendeu a sua mão“, ”Gloria pra sempre” , ”Satisfação é ter a Cristo”) e tantos outros clássicos versionados mundo afora). O Gospel das igrejas negras é desde as lavouras com mão de obra escrava dos afro-americanos (” Swing low, sweet chariot”, ”O salvador batendo está” , ”Minha pequena luz”) A partir dos Anos Sessenta, a guinada foi dada pelo Jesus Movement, pai de gravadoras-conceito como Maranatha! Music (”Buscai primeiro o Reino de Deus“, ”Vamos adorar a Deus”) e avô de Vencedores, Adhemar, Asaph e a liturgia - se cabe aqui o termo - das Comunidades evangélicas. Nos EUA, a matriz da cultura pop, claro, os anos setenta/oitenta viram nascer a CCM, Contemporary Christian Music, com gente como Keith Green, com o estouro de Andre Crouch, Amy Grant e outras estrelas da ”música de crente digna de Grammy). Hosana! Music e os seus filhos ao redor do planeta : os cds de louvorzão ao vivo - Hillsong, Diante do trono, ou seja, um modelo de culto (show com coral, ministro-de-louvor-e-banda, multidão, catarse, espetáculo).
Tem muita coisa boa nisso tudo. E tem muita coisa absolutamente desnecessária, descartável, lixo religioso mesmo, sem medo de soar arrogante e presunçoso. Gospel Records, em São Paulo, Line Records e MK, no Rio de Janeiro. Não preciso argumentar ou provar nada: peguem e ouçam . Noventa por cento é lixo: sem valor algum do ponto de vista teológico-espiritual (conteúdo bíblico, coerência com o histórico ensino bíblico cristão , reformado e evangélico), sem valor estético (melodias óbvias, harmonias do tipo ctrl+c, crtl+v, letras de mau-gosto, ou seja, as formulas repetitivas dos clichês , clichês e mais clichês ) e com muito, muito valor comercial: o BUSINESS tomou conta e as gravadoras seculares apostam no ”Gospel” como a salvação da bancarrota fonográfica na era da pirataria e do download ilegal. ”Você adora, a Som livre vende“. Argh… Ricardo Barbosa está certíssimo : ” Quem define o que cantamos no domingo são os executivos das gravadoras”.
Essa semana, Hans Kung me acordou com um soco: “Será que tudo isso é ”Cristão”? Só se for em um sentido tradicional, superficial, falso (…) nada disso é ”Cristão” no sentido mais profundo, verdadeiro, original da palavra. Nada disso é verdadeiramente cristão : nada tem a ver com Cristo, em cujo nome se baseia.” Parafraseando, nada disso, esse mercantilismo, essa macdonaldizacao do culto comunitário, esse louvor fast-food, essa droga de música e essa música-droga, ópio do povo basta ver quem são os principais consumidores desses cds, dvds e shows…), isso NÃO É MÚSICA EVANGÉLICA. Tudo o que for genuinamente evangélico tem de dar na forma e no conteúdo UMA BOA NOTICIA. Da parte de Deus. Isso , essa música banal, não tem (a) Beleza, isso não tem (a) Verdade. Isso não anuncia a Graça de Deus e o Deus da Graça, isso não está à serviço e à favor dos valores do Reino de Deus, isso não prega Jesus Crucificado, isso não pastoreia e edifica a sua Igreja. Isso é coisa de Mamom, é ” Dança ao redor do Bezerro de Ouro ” (Eugene Peterson).
Música (e arte) Evangélica deveriam trazer consigo SABEDORIA. Isso, arte-sabedoria, foi magistralmente sintetizado por Harold Bloom: ”esplendor estético, força intelectual e as nossas necessidades de beleza, verdade e discernimento.” Encontro essa sabedoria nos Salmos, nos Hinos Protestantes, das letras esplendidas de Guilherme Kerr, Sergio Pimenta e Stênio Marcius.
Música (e arte) Evangélica deveriam trazer consigo POESIA. Poesia é susto, invenção, novidade genial, artimanha e engenhosidade criativa. Poesia, saibam os senhores, é muito mais que rimas. Poesia é olhar a vida com olhos de criança, olhos de Deus: ” Talvez o amor e a natureza foram desde muito cedo as jazidas da minha poesia”, escrever Pablo Neruda. Poesia evangélica ? Adélia Prado responde:
” Pensava assim:
Se a cama for de ferro e as panelas,
o resto Deus provê:
é nuvem, sonho, lembranças . ”
( Terra de santa Cruz, Ed. Record, p. 43)
Eu sei que corro perigo aqui. Por isso recorro a Ferreira Gullar: ” Não pode nenhum poeta - nem ninguém ter a pretensão de estabelecer regras e rumos para a poesia (…) a produção do poema é absolutamente impossível de prever-se. ” (Sobre arte, sobre poesia, Ed. José Olympio, p. 157) Mas que a poesia da canção Evangélica requer a leveza, a originalidade e a profundidade das Parábolas de Jesus, poemas de ouro, maravilhas teológicas e literárias, ah, isso requer e não tem conversa. Encontro essa poesia nas letras subversivamente cristãs de Gladir Cabral e Paulo Nazareth ( Crombie ).
A verdadeira Música Evangélica é PARA A IGREJA E (sobretudo) PARA O MUNDO, A CULTURA. Pode(ria) e deve(ria) ser cantada, entoada à boca grande em todo e qualquer lugar. É como as palavras do Eclesiastes, O Livro de Jó, as Doxologias de Paulo: poemas. Verdade de Deus, tesouro do Homem. Pode ser bíblica sem citar a Bíblia? Pode. Deve. Precisa! Feito o livro de Ester, um livro cujo autor não cita Deus, a oração ” como artificio literário que visa a ressaltar o fato de que Deus é quem controla é dirige coincidências aparentemente insignificantes “, como sacou Raymond Dillard (Bíblia NVI de estudo, Ed. Vida, p. 793)
A verdadeira Música Evangélica é TRINITÁRIA: dialoga, convida, respeita o outro, compartilha, convida à Comunhão, sai do Eu, vai pro Nós ou insiste no Eu-Tu, como nos ensinou Martim Buber, filosofo judeu. A música que ouço por aí se dizendo evangélica ” formulou , nas palavras sempre surpreendentes de Eugene Peterson, ” uma nova trindade, que define o ’ eu ’ como o texto soberano para a vida (…) Pai, Filho e Espirito Santo são substituídos por uma trindade pessoal , muito individualizada , composta por meus desejos santos, minhas necessidades santas e meus sentimentos santos “. ( Maravilhosa Bíblia, Ed. Mundo Cristão, p. 47 )
A verdadeira Música Evangélica é, como toda arte, pequena ou grande, popular ou erudita, uma DÁDIVA. Sim, ” toda obra de arte é uma doação, não uma mercadoria. As obras de arte existem simultaneamente em duas economias: a economia do mercado e a economia da doação. (…) uma obra de arte é capaz de sobreviver sem depender do mercado, mas quando não há doação não há obra de arte (…) a arte que importa para nós - a arte que toca o coração, que enleva a alma, deleita nossos sentidos, essa obra é sempre recebida como um presente. “ ( Lewis Hyde, A dádiva: como o espírito criador transforma o mundo, Ed. Civ. Brasileira, p. 13,14 )
Sim, meus caros e afetuosos amigos, eu quero (continuar a) fazer Música Evangélica. Poderemos resgatar das ruínas esse adjetivo tão precioso, enfiado na lama dessa industria religiosa?
Gerson Borges é pastoreador: pastor evangélico, poeta/musico e educador.
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