26 maio 2013

Um crime quase perfeito parte final


UM CRIME QUASE PERFEITO (Parte Final)

Chamei o garçom, paguei a bebida que não tomara, embarquei num táxi e fui à casa da criada. No quarto, me sentei à frente dela.
— Olhe-me nos olhos – disse-lhe – e veja bem o que vai responder: a senhora Stevens tomava uísque com gelo ou sem gelo?
 Com gelo, senhor.
 Onde comprava o gelo?
— Não comprava, senhor. Em casa há uma geladeira pequena que faz gelo em cubinhos – e a criada, como acordando, prosseguiu: — Agora me lembro, a geladeira estava estragada. Ontem, o senhor Pablo a consertou num instante.
        Uma hora depois nos encontrávamos na residência da senhora Stevens: o químico de nosso  laboratório, o técnico da fábrica que vendera a geladeira, o juiz de instrução e eu. O técnico retirou a água do depósito do congelador e vários cubinhos de gelo. O químico iniciou seu trabalho e, minutos depois, disse:
— A água está envenenada, os cubos também.
            Olhamo-nos, contentes. O mistério tinha terminado.
            Agora era um mero jogo a reconstituição do crime. O doutor Pablo, ao trocar o fusível da geladeira (era este o defeito, segundo o técnico), lançara no congelador certa quantidade de veneno dissolvido em água. Sem suspeitar, a senhora Stevens preparava seu uísque. Retirara um cubinho do congelador (o que explicava o prato com gelo derretido, encontrado na mesa) e o colocara no copo.  Sem imaginar que a morte a esperava em seu vício, passara a ler o jornal, até que, julgando o uísque suficientemente gelado, tomara um gole. Os efeitos não tardaram.
         Faltava prender o veterinário. Em vão o esperamos em sua casa. Ignoravam onde estava. No laboratório da indústria leiteira nos informaram que lá chegaria só às dez da noite.          
            Às onze, o juiz, meu superior e eu nos apresentamos no laboratório da Erpa. O doutor Pablo, quando nos viu em grupo, levantou o braço, como se quisesse anatematizar nossas conclusões. Abriu a boca e despencou ao lado de uma mesa de mármore. Um infarto o matara. Em seu armário estava o frasco do veneno. Foi o assassino mais engenhoso que conheci.

ARLT, Roberto. Um crime quase perfeito. Trad. Sérgio Faraco. In: Flávio Moreira Costa (org.) Os 100 melhores contos de crime e mistério da literatura universal. 2.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. P. 607 – 609.

1)      Qual é afinal, a terceira hipótese para o crime?
2)    Qual a primeira atitude do narrador ao imaginar essa última hipótese para o crime? Por quê?
3)    Quem se tornou o suspeito número um? Explique por que razão.
4)    A reconstituição é a história do crime contada de acordo com uma hipótese baseada em fortes evidências. Explique com suas palavras como o crime foi cometido.
5)    Em que lugares o assassino foi procurado?
6)    O assassino foi preso? O que aconteceu?
7)    Onde foi encontrado o envoltório do veneno?
8)    Podemos dizer que o final foi surpreendente? Por quê?

24 maio 2013

Um crime quase perfeito parte II



...

                E havia outra questão: os irmãos da morta eram três malandros.  Os três, em menos de dez anos, tinham posto fora os bens herdados dos pais, e seus atuais rendimentos não eram satisfatórios: Juan trabalhava como ajudante de um advogado especializado em divórcios. Mais de uma vez sua conduta anterior se mostrara suspeita, dando margem à presunção de chantagem. Esteban era corretor de seguros e havia feito um seguro para sua irmã, sendo ele mesmo o beneficiário. Quanto a Pablo: era veterinário, mas tivera seu registro profissional  cancelado pela justiça após ser condenado por dopar cavalos. Para não morrer de fome empregara-se na indústria leiteira, no setor de análises.
                Assim eram os irmãos.
              Já a senhora Stevens tinha enviuvado três vezes. No dia de seu “suicídio” estava completando 68 anos, mas era uma mulher extraordinariamente conservada, corpulenta, forte, enérgica, de cabelos viçosos, e tinha condições de pretender novo casamento. Dirigia a casa com alegria e pulso firme. Adepta dos prazeres da mesa, sua despensa estava magnificamente provida de vinhos e comestíveis, e não há dúvida de que, sem aquele “acidente”, teria vivido cem anos. Supor que uma mulher como ela seria capaz de suicidar-se era desconhecer a natureza humana. Sua morte beneficiaria cada um dos três irmãos com duzentos e trinta mil pesos.
                O cadáver foi descoberto pelo porteiro e pela criada às sete da manhã, quando esta, não conseguindo abrir a porta, que estava trancada por dentro, chamou o homem para ajudá-la. Às onze da manhã, como creio ter dito anteriormente, estava em nosso poder a informação do laboratório. Às três da tarde, eu deixava o quarto em que estava detida  a empregada, em sua própria casa, com uma ideia na cabeça: o assassino arrancara um vidro da janela para entrar na casa e após deitar veneno ao copo recolocara o vidro no lugar. Era uma fantasia de romance policial, mas convinha verificar a hipótese.
                Saí da residência da senhora Stevens decepcionado. Minha especulação era falsa. A massa dos vidros não tinha sido removida.
                Decidi caminhar e pensar um pouco, o “suicídio” da senhora Stevens me preocupava bastante. Não policialmente, mas, diria, esportivamente. Estava diante de um sagaz, possivelmente um dos três irmãos, que se valera de um expediente simples e ao mesmo tempo misterioso, impossível de ser detectado na nitidez daquele vazio.

                Absorvido em minhas conjeturas, entrei num café, tão ausente do mundo que, embora detestasse bebidas alcoólicas, pedi um uísque. Quanto tempo esteve a bebida, sem ser tocada, diante dos meus olhos? Não sei. De repente, vi o copo de uísque, a garrafa d'água, o pratinho com gelo. Atônito, fiquei olhando aquilo. Uma hipótese dava grandes saltos no meu cérebro. 
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      1)  Como a vítima é descrita física e psicologicamente?
2) Qual era a situação dos irmãos da vítima? Essa situação fez deles suspeitos em potencial. Por quê?
3) No terceiro parágrafo desse trecho, o narrador apresenta evidências que enfraquecem a hipótese de suicídio. Quais são elas?
4) Onde a criada ficou detida?
5) Quem descobriu o cadáver da vítima? Onde ele foi encontrado?                                                          6) Nesse ponto da narrativa, o policial cogita uma segunda hipótese. Qual é essa hipótese? Ela se confirma? Por quê?
7) O narrador utiliza a palavra suicídio entre aspas. Por quê?
8) Vamos pensar nos suspeitos? Releia as duas partes do conto para completar os espaços que estão em branco. Tenha em mente duas hipóteses: a de suicídio e a de assassinato. Seja fiel ao texto.


1)      Reflita sobre o título do conto: Um crime quase perfeito. O que seria um crime quase perfeito?
Um crime quase perfeito é aquele cuja autoria não se consegue provar.

2)    Qual é o nome da vítima?
Senhora Stevens.
3)    De acordo com o que o narrador nos conta sobre o depoimento das testemunhas e sobre os vestígios encontrados na residência da vítima, reconstitua suas ações nos momentos anteriores à sua morte.
Era dia de seu aniversário. Ela almoçou com seus três irmãos.a empregada foi embora às 19h. às 19h10, o porteiro entregou-lhe o jornal. Ela revisou alguns itens da contabilidade doméstica. Depois começou a ler o jornal. Tomou uísque com água e veneno e pôs-se a ler até começar a sentir-se mal.

4)    Quais foram as últimas pessoas que viram a vítima antes do crime?
A criada e porteiro.

5)    Quem nos narra todo o caso? Reescreva um trecho que comprove sua resposta. Se o trecho selecionado deixar dúvidas, complemente sua resposta com uma explicação.
Quem nos conta um caso é um policial, detetive ou inspetor da polícia. “Essa era a situação quando fui designado por meus superiores para continuar a investigação. A informação de nosso laboratório era categórica”.

6)    Qual é a primeira hipótese apresentada para a morte da senhora Stevens? Por que o narrador crê que ela é disparatada?
Hipótese de suicídio. O narrador crê que essa hipótese é disparatada porque a Sra. Stevens não parecia ter provocado a própria morte e o envoltório do veneno não foi encontrado.

7)    “Envoltório” é tudo aquilo que serve de recipiente para guardar, conservar ou proteger alguma coisa. Quais são as outras três palavras presentes no texto que poderiam substituir o termo “envoltório”?
Caixa, envelope e frasco.

8)    A ausência de veneno nos outros copos do armário reforça a ideia de assassinato ou de suicídio?
De suicídio.

9)    Por que encontrar o envoltório original do veneno seria uma peça fundamental da investigação policial?
O envoltório do veneno poderia indicar quem foi a última pessoa a manuseá-lo, pelas impressões digitais, por exemplo.

10) Na sua opinião, o que aconteceu com a vítima? Por quê?  Resposta pessoal.

22 maio 2013

Conto de mistério - Parte I


UM CRIME QUASE PERFEITO - Robert Arlt

            As alegações dos três irmãos da suicida foram checadas. Não tinham mentido. O mais velho, Juan, permanecera das cinco da tarde até a meia-noite (a senhora Stevens se suicidou entre sete e dez da noite) detido numa delegacia, por sua imprudente participação num acidente de trânsito. O segundo irmão, Esteban, estivera no povoado de Lister desde as seis da tarde daquele dia até as nove do seguinte. Quanto ao terceiro, doutor Pablo, ele não se afastara em nenhum momento do laboratório de análise de leite da Cia. Erpa, mais exatamente do setor de doseamento da gordura.
            O curioso é que, naquele dia, os três irmãos tinham almoçado com a suicida, comemorando seu aniverśario, e ela, por sua vez, em nenhum momento deixara entrever uma intenção funesta. Todos comeram alegremente e, às duas da tarde, os homens se retiraram.
            Suas declarações coincidiram em tudo com as da criada que, desde muitos anos trabalhava para a senhora Stevens. Essa mulher, que não dormia no emprego, às sete da noite foi para casa. A última ordem que recebeu foi a de dizer ao porteiro que trouxesse o jornal da tarde. Às sete e dez o porteiro entregou o jornal à senhora Stevens, e o que fez esta antes de matar-se pode ser presumido logicamente. Revisou os últimos lançamentos da contabilidade doméstica, pois a livreta estava na mesa da copa, com os gastos do dia sublinhados. Serviu-se de uísque com água  e nessa mistura deixou cair, aproximadamente, meio grama de cianureto de potássio. Pôs-se a ler o jornal, depois bebeu o veneno e, ao sentir que ia morrer, levantou-se, para logo tombar no chão atapetado. O jornal foi achado entre seus dedos contraídos.
            Tal foi a primeira hipótese, construída a partir de um conjunto de coisas pacificamente ordenadas no interior da residência, mas esse suicídio estava carregado de absurdos psicológicos e não queríamos aceitá-lo. No entanto, só a senhora Stevens podia ter posto o veneno no copo. O uísque da garrafa não continha veneno. A água misturada também era pura. O veneno, claro, podia estar no fundo ou nas paredes do copo, mas esse copo tinha sido retirado de uma prateleira onde havia uma dúzia de outros iguais: o eventual assassino não havia de saber qual copo a senhora Stevens escolheria. De resto, o laboratório da polícia nos informou que nenhum copo tinha veneno em suas paredes.
            A investigação não era fácil. As primeiras provas – provas mecânicas, como eu as chamava – sugeriam que a viúva morrera por suas próprias mãos, mas a evidência de que, ao ser surpreendida pela morte, estava distraída na leitura do jornal, tornava disparatada a ideia de suicídio.
            Essa era a situação quando fui desligado por meus superiores para continuar a investigação. A informação de nosso laboratório era categórica: havia veneno no copo que a senhora Stevens usara, mas a água e o uísque da garrafa eram inofensivos. O depoimento do porteiro era igualmente seguro: ninguém visitara a senhora Stevens depois que lhe entregara o jornal. Se após as diligências iniciais eu tivesse concluído o inquérito optando pelo suicídio, meus superiores nada teriam objetado. Porém, concluir o inquérito  nesses termos era  a confissão de um fracasso. A senhora Stevens tinha sido assassinada e havia certo indício: onde estava o envoltório do veneno? Por mais que revistássemos a casa, não encontramos a caixa, o envelope ou o frasco do tóxico. Aquilo era eloquente.

Glossário
Funesta: que causa a morte; fatal; mortal.
Cianureto de potássio: poderoso veneno.
Hipótese: suposição, conjetura, pela qual a imaginação antecipa  conhecimento, com o fim de explicar ou prever a possível realização de um fato.
Evidência: indicação; indício; sinal; traço.
Eloquente: aquele ou aquilo que é convincente; persuasivo.

1)      Reflita sobre o título do conto: Um crime quase perfeito. O que seria um crime quase perfeito?

2)    Qual é o nome da vítima?

3)    De acordo com o que o narrador nos conta sobre o depoimento das testemunhas e sobre os vestígios encontrados na residência da vítima, reconstitua suas ações nos momentos anteriores à sua morte.

4)    Quais foram as últimas pessoas que viram a vítima antes do crime?

5)    Quem nos narra todo o caso? Reescreva um trecho que comprove sua resposta. Se o trecho selecionado deixar dúvidas, complemente sua resposta com uma explicação.

6)    Qual é a primeira hipótese apresentada para a morte da senhora Stevens? Por que o narrador crê que ela é disparatada?

7)    “Envoltório” é tudo aquilo que serve de recipiente para guardar, conservar ou proteger alguma coisa. Quais são as outras três palavras presentes no texto que poderiam substituir o termo “envoltório”?

8)    A ausência de veneno nos outros copos do armário reforça a ideia de assassinato ou de suicídio?

9)    Por que encontrar o envoltório original do veneno seria uma peça fundamental da investigação policial?

10) Na sua opinião, o que aconteceu com a vítima? Por quê? 

26 março 2013

Todo dia um novo dia



Todo dia é uma nova oportunidade de aprender com a vida! Fui surpreendida com situações adversas das mais variadas. Não sabia o que fazer nem como me comportar! Diante disso, levantei a voz aos céus e clamei: Pai, segura a minha mão! Por meio de um gesto simples e aconchegante, fui acolhida num mar de risos, onde as cores saltavam, cada vez mais brilhantes. Olhares se entreolharam aninhando-se num ritmo bailante. E era tão profundo... era tão sublime!! O descompasso existia para mostrar as nossas fragilidades e o quanto precisamos buscar o equilíbrio. Mistérios se revelavam em uma mistura de timidez e confiança, nas quais as palavras saiam despercebidas, mas num ritmo poético que só os ouvidos atentos conseguem escutar. Estava nas entrelinhas. A revelação se abria minuciosamente no ruído silencioso das batidas do coração. E o que era mistério, agora é vida! É fé e esperança! É como se, de novo, pudesse sentir a alegria de quando criança. Porque, neste exato momento, ao escrever, sinto, de alguma forma, a mão de Deus tocar as minhas mãos e o mesmo sentimento se renovando através de uma oração!

Midi Mafra

20 março 2013





"Ao contrário do ouro e do barro, o verdadeiro amor, dividido, não diminui". (Shelley)

17 março 2013


Pessoalmente




"Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos bem" [Millôr Fernandes].

Entre os encontros e desencontros da vida, recordo-me de uma palavra que soa com ligeira inexatidão, por causa das dúvidas causadas por ela. Hoje, está mais viva, questionando, indagando, martelando os meus pensamentos, na busca de uma resposta para o "pessoalmente". Isso porque somos, sutilmente, tragados pela síndrome do não-pessoalmente. Um mistério aguardando ser revelado. Gosto da frase de Mário Quintana, quando afirma que "a arte de viver é simplesmente a arte de conviver [...]". Nos perdemos em nossos olhares de vidro, em nossos ouvidos sem fio, em nossas cartas sem papel. Estamos à mercê do novo, sem saber que o novo afasta as mãos de se tocarem, os rostos de se verem, o olfato de sentir... pele na pele!! Olho no olho! Mão na mão! É isso que oferece o pessoalmente! Certamente, com algumas implicações a mais. E, talvez, por causa dessas implicações, seja tão mais difícil viver pessoalmente! Já que,  como conclui o próprio Mário Quintana: "Mas como é difícil" [conviver].

Midi Mafra

27 fevereiro 2013

O tempo - Crombie


Sobre o tempo

Quase tudo é temporal
Temporal porque está sujeito
Ao sujeito chamado Tempo
Que é mais que momento

Que não se confessa
Pois não sente culpa de nada
Não vê minha pressa.

Em displicente caminhada
segue a pé passeando.

Deve ser por isso que demora
Parece que tá brincando
Pensando que não tem hora


O tempo que vivo aqui
O tempo de agora
O tempo que está por vir
Que venha sem demora

Cartas de amor - Rubem Alves



CARTAS DE AMOR

Leio e releio o poema de Álvaro de Campos. Oscilo. Não sei se devo acreditar ou duvidar. Se acredito, duvido. Duvido porque acredito. Pois foi ele mesmo quem disse – ou melhor, o seu outro, o Fernando Pessoa – que ele era um fingidor. "Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas..."
Tenho no meu escritório a reprodução de uma das telas mais delicadas que conheço, Mulher lendo uma carta, de Johannes Vermeer (1632-1675). Uma mulher, de pé, lê uma carta. O seu rosto está iluminado pela luz da janela. Seus olhos lêem o que está escrito naquela folha de papel que suas mãos seguram, a boca ligeiramente entreaberta, quase num sorriso. De tão absorta, ela nem se dá conta da cadeira, ao seu lado. Lê de pé. Penso ser capaz de reconstituir os momentos que antecedem este que o pintor fixou. Pancadas na porta interromperam as rotinas domésticas que a ocupavam. Ela vai abrir e lá estava o carteiro, com uma carta na mão. Pela simples leitura do seu nome, no envelope, ela identifica o remetente. Ela toma a carta e, com este gesto, toca uma mão muito distante. Para isto se escrevem as cartas de amor. Não para dar notícias, não para contar nada, não para repetir as coisas por demais sabidas, mas para que mãos separadas se toquem, ao tocarem a mesma folha de papel. Barthes cita estas palavras de Goethe:

Por que me vejo novamente compelido a escrever? Não é preciso, querida, fazer pergunta tão evidente, porque, na verdade, nada tenho para te dizer. Entretanto tuas mãos queridas receberão este papel...
Volto ao Álvaro de Campos. Será esta a razão do ridículo das cartas de amor – o descompasso entre o que elas dizem e aquilo que elas realmente querem fazer? Pois o propósito explícito de uma carta é dar notícias, e é por isto que elas são feitas de palavras. Mas o que elas realmente desejam realizar está sempre antes e depois da palavra escrita: elas querem realizar aquilo que a separação proíbe: o abraço. Quem quer que tente entender uma carta de amor pela análise da escritura estará sempre fora de lugar, pois o que ela contém é o que não está ali, o que está ausente. Qualquer carta de amor, não importa o que se encontre nela escrito, só fala do desejo, a dor da ausência, a nostalgia pelo reencontro.
Aquela carta fez tudo parar. A mulher fecha a porta e caminha pela casa sem nada ver, buscando uma coisa apenas, a luz, o lugar onde as palavras ficarão luminosas. Que lhe importa a cadeira? Esqueceu-se de que está grávida. Seus olhos caminham pelas palavras que saíram das mesmas mãos que a abraçaram. Seu corpo está suspenso naquele momento mágico de carinho impossível que aquele pequeno pedaço de papel abriu no tempo do seu cotidiano.
Uma carta de amor é um papel que liga duas solidões. A mulher está só. Se há outras pessoas na casa, ela as deixou. Bem pode ser que as coisas que estão nela escritas não sejam nenhum segredo, que possam ser contadas a todos. Mas, para que a carta seja de amor, ela tem de ser lida em solidão. Como se o amante estivesse dizendo: "Escrevo para que você fique sozinha...". É este ato de leitura solitária que estabelece a cumplicidade. Pois foi da solidão que a carta nasceu. A carta de amor é o objeto que o amante faz para tornar suportável o seu abandono.
Olho para o céu. Vejo a Alfa Centauro. Os astrônomos me dizem que a estrela que agora vejo é a estrela que foi, há dois anos. Pois foi este o tempo que sua luz levou para chegar até os meus olhos. O que eu vejo é o que não mais existe. E será inútil que eu me pergunte: "Como será ela agora? Existirá ainda?". Respostas a estas perguntas eu só vou conseguir daqui a dois anos, quando a sua luz chegar até mim. A sua luz está sempre atrasada. Vejo sempre aquilo que já foi... Nisto as cartas se parecem com as estrelas. A carta que a mulher tem nas mãos, que marca o seu momento de solidão, pertence a um momento que não existe mais. Ela nada diz sobre o presente do amante distante. Daí a sua dor. O amante que escreve alonga os seus braços para um momento que ainda não existe. A amante que lê alonga os seus braços para um momento que não mais existe. A carta de amor é um abraçar do vazio...
"Ainda bem que o telefone existe", retrucarão os namorados modernos, que não mais têm de viver o amor no espaço das ausências. Engano. Um telefonema não é uma carta falada. Pois lhe falta o essencial: o silêncio da solidão, a calma da caneta pousada sobre a mesa que espera e escolhe pensamentos e palavras. O telefone põe a solidão a perder. Num telefonema a gente nunca diz aquilo que se diria numa carta. Por exemplo: "Eu ia andando pela rua quando, de repente, vi um ipê-rosa florido que me fez lembrar aquela vez...". Ou: "Relendo os poemas de Neruda encontrei este que, imagino, você gostará de ler...".
A diferença entre a carta e o telefone é simples. O telefone é impositivo. A conversa tem de acontecer naquele momento. Falta-lhe o ingrediente essencial da palavra que é dita sem esperar resposta. E, uma vez terminado, os dois amantes estão de mãos vazias.
Mas a mulher tem nas mãos uma carta. A carta é um objeto. Se não tivesse podido recolher-se à sua solidão, ela poderia tê-la guardado no bolso, na deliciosa espera do momento oportuno. O telefonema não pode esperar. A carta é paciente. Guarda as suas palavras. E, depois de lida, poderá ser relida. Ou simplesmente acariciada. Uma carta contra o rosto – poderá haver coisa mais terna? Uma carta é mais que uma mensagem. Mesmo antes de ser lida, ainda dentro do envelope fechado, tem a qualidade de um sacramento: presença sensível de uma felicidade invisível...
Estes pensamentos me vieram depois de ler as cartas de um jovem cientista, Albert Einstein, à sua amada, Mileva Maric'. Foram elas que me fizeram ir ao poema do Álvaro de Campos: ridículas. Todas as cartas de amor são ridículas. Acho que os editores pensaram o mesmo. E como desculpa para o seu gesto indiscreto de tornar público o ridículo que era segredo de dois amantes, escreveram uma longa e erudita introdução que transformou as ridículas cartas de amor em documentos da história da ciência. Valem porque, misturadas ao ridículo de que os amantes se alimentam, se encontram pistas que dão aos historiadores as chaves para a compreensão das "fontes do desenvolvimento emocional e intelectual dos correspondentes". Não sabendo o que fazer com o amor (ridículo), colocaram-nas na arqueologia da ciência.
Foi então que o quadro de Vermeer me fez ver a cena que as cartas escondem. E a mulher com a carta na mão e uma criança na barriga? Ela bem que poderia ser Mileva, grávida de uma filha ilegítima, que foi dada para adoção, e sobre quem nada se sabe. A criança foi dada. Mas as cartas foram guardadas. E que razões poderia ter uma pessoa para guardar cartas ridículas? O seu rosto absorto e os lábios entreabertos nos dão a resposta: para aqueles que amam as ridículas cartas de amor são sempre sublimes.
Volto ao poema do Álvaro de Campos e encontro lá o que faltava para fechar a cena: "Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor são ridículas".

26 fevereiro 2013

Palavra - O Teatro Mágico

A Palavra

Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.

Carlos Drummond


25 fevereiro 2013

Deus do Impossível - Leonardo Gonçalves

Bom demais saber que tenho um Deus que faz o impossível!!

O Amor de Deus - Leonardo Gonçalves

Coisa linda é o Amor de Deus!!
Cada boa música representa um bom momento!!
Agradeço a Deus por esses momentos recheados de canção da melhor qualidade!


24 fevereiro 2013


Enquanto muitos se perguntam o porquê de algumas situações da vida, eu paro e glorifico a Deus pela dádiva de poder estar debaixo de sua Graça. Não sei o que certos momentos significam, nem sei quanto tempo a dor apertará o coração. Mas, tenho plena convicção de que o Senhor guia os meus passos e me leva a lugares maravilhosos e tranquilos. Agradeço a Ele por todas as vezes que colheu as minhas lágrimas e transformou a agonia em paz! Sei que Papai está me carregando no colo. Sinto isso todos os dias! E não existe sensação melhor.

Yerushalayim shel zahav

Yerushalayim shel zahav
Veshel nechoshet veshel or
Halo lechol shirayich Ani kinor.

21 fevereiro 2013


"(...) Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio porque as águas mudam, mas o mais terrível é que nós não somos menos fluidos que o rio. Cada vez que lemos um livro, o livro mudou, a conotação das palavras é outra."

[Palavras de Borges,1978, citado em Chartier, 2001, p. XI, quando faz alusão à célebre frase do filósofo Heráclito para explicar a dependência da vida do texto para com o universo de sentidos do leitor.]

20 fevereiro 2013

A mudança - Carlos Drummond


O homem voltou à terra natal e achou tudo mudado. Até a igreja mudara de lugar. Os moradores pareciam ter trocado de nacionalidade, falavam língua incompreensível. O clima também era diferente.
A custo, depois de percorrer avenidas estranhas, que se perdiam no horizonte, topou com um cachorro que também vagava, inquieto, em busca de alguma coisa. Era um velhíssimo animal sem trato, que parou à sua frente.
Os dois se reconheceram: o cão Piloto e seu dono. Ao deixar a cidade, o homem abandonara Piloto, dizendo que voltaria em breve, e nunca mais voltou. O animal inconformado procurava-o por toda parte. E conservava uma identidade que talvez só os cães consigam manter, na Terra mutante.
Piloto farejou longamente o homem, sem abanar o rabo. O homem não se animou a acariciá-lo. Depois, o cão virou as costas e saiu sem destino. O homem pensou em chamá-lo, mas desistiu. Afinal, reconheceu que ele próprio tinha mudado, ou que talvez só ele mudara, e a cidade era a mesma, vista por olhos que tinham esquecido a arte de ver.

Carlos Drummond de Andrade
Contos Plausíveis

A palavra mágica - Carlos Drummond



Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.


20 janeiro 2013

Marcas na parede

A cada novo passo, algo bom fica, algo bom vai...
A semente frutifica!
A dor irrita e insiste em ficar...
A gente brinca e relembra tudo de feliz que ficou para trás!
O sorriso abre e a lágrima cai...
O tempo caminha...caminha...caminha e não volta mais!!

Fotos, lembranças, risadas de criança!!
Como são boas as histórias gravadas nas paredes desta casa.
Aqui estão escondidas as risadas, os medos, os anseios, as conversas...
Só elas podem testemunhar o esconde-esconde, o pega-pega...
As bonecas, as comidinhas, as brincadeiras...
As lições, os aniversários, os Natais!!
O tempero de uma vida rodeada de alegrias...
A vida celebrada na cozinha!!
Onde está, parede, a sua voz?
Quero te ouvir...
Quero reviver!!
Olhando para você agora, agradeço por todos os momentos que jamais serão apagados e estão desenhados em cada canto deste lugar!

E quanto ao tempo??
Ele caminha....
E não volta mais!