UM CRIME QUASE PERFEITO (Parte Final)
Chamei o garçom, paguei a bebida que não tomara, embarquei num táxi e fui à casa da criada. No quarto, me sentei à frente dela.
— Olhe-me nos olhos – disse-lhe – e veja bem o que vai responder: a senhora Stevens tomava uísque com gelo ou sem gelo?
— Com gelo, senhor.
— Onde comprava o gelo?
— Não comprava, senhor. Em casa há uma geladeira pequena que faz gelo em cubinhos – e a criada, como acordando, prosseguiu: — Agora me lembro, a geladeira estava estragada. Ontem, o senhor Pablo a consertou num instante.
Uma hora depois nos encontrávamos na residência da senhora Stevens: o químico de nosso laboratório, o técnico da fábrica que vendera a geladeira, o juiz de instrução e eu. O técnico retirou a água do depósito do congelador e vários cubinhos de gelo. O químico iniciou seu trabalho e, minutos depois, disse:
— A água está envenenada, os cubos também.
Olhamo-nos, contentes. O mistério tinha terminado.
Agora era um mero jogo a reconstituição do crime. O doutor Pablo, ao trocar o fusível da geladeira (era este o defeito, segundo o técnico), lançara no congelador certa quantidade de veneno dissolvido em água. Sem suspeitar, a senhora Stevens preparava seu uísque. Retirara um cubinho do congelador (o que explicava o prato com gelo derretido, encontrado na mesa) e o colocara no copo. Sem imaginar que a morte a esperava em seu vício, passara a ler o jornal, até que, julgando o uísque suficientemente gelado, tomara um gole. Os efeitos não tardaram.
Faltava prender o veterinário. Em vão o esperamos em sua casa. Ignoravam onde estava. No laboratório da indústria leiteira nos informaram que lá chegaria só às dez da noite.
Faltava prender o veterinário. Em vão o esperamos em sua casa. Ignoravam onde estava. No laboratório da indústria leiteira nos informaram que lá chegaria só às dez da noite.
Às onze, o juiz, meu superior e eu nos apresentamos no laboratório da Erpa. O doutor Pablo, quando nos viu em grupo, levantou o braço, como se quisesse anatematizar nossas conclusões. Abriu a boca e despencou ao lado de uma mesa de mármore. Um infarto o matara. Em seu armário estava o frasco do veneno. Foi o assassino mais engenhoso que conheci.
ARLT, Roberto. Um crime quase perfeito. Trad. Sérgio Faraco. In: Flávio Moreira Costa (org.) Os 100 melhores contos de crime e mistério da literatura universal. 2.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. P. 607 – 609.
1) Qual é afinal, a terceira hipótese para o crime?
2) Qual a primeira atitude do narrador ao imaginar essa última hipótese para o crime? Por quê?
3) Quem se tornou o suspeito número um? Explique por que razão.
4) A reconstituição é a história do crime contada de acordo com uma hipótese baseada em fortes evidências. Explique com suas palavras como o crime foi cometido.
5) Em que lugares o assassino foi procurado?
6) O assassino foi preso? O que aconteceu?
7) Onde foi encontrado o envoltório do veneno?
8) Podemos dizer que o final foi surpreendente? Por quê?