10 fevereiro 2012

Instantes

Instantes

Se eu pudesse viver novamente minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido,
na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiénico.
Correria mais riscos, viajaria mais,
contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas,
nadaria mais rios. Iria a mais lugares aonde nunca fui
tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e produtivamente cada minuto da sua vida;
claro que tive apenas momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feito a vida,
só de momentos, não percam o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma
sem um termometro, uma bolsa de água quente,
um guarda chuva e um pára–quedas;
se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

[Poema atribuído a Borges].

O mar e a lua!!


Lembro de quando meus pés caminhavam tranquilos pelas areias da praia. Éramos só eu e o mar! Nada mais existia que atrapalhasse essa relação de admiração e beleza. Todas as manhãs, ia me encontrar com suas águas. As ondas me encontravam e, como num ritual de amor, me envolviam por completo. A felicidade nos acompanhava a cada novo encontro. Meus olhos miravam a sua transparência, buscando o que havia de mais escondido nas profundezas de suas cores...Comecei a me perturbar um pouco. Não conseguia descobrir o que existia dentro dele. Era escuro demais! Era frio demais! Tentava mergulhar para conhecê-lo melhor e me faltava ar. Submergi algumas vezes! Mas, nada encontrei! Em meio a esse descompasso, ficava mais horas diante dele e me perguntava até quando ele se silenciaria. Eu só ouvia ruídos. Às vezes, ele vinha até mim. Mas, tímido. Quase não me via mais. Foi quando vi algo que meus olhos não esquecem: A luz do dia começou a desaparecer. Aos poucos, ela começou a tomar o seu lugar. Bastaram apenas alguns minutos para que eu a olhasse por completo. Lá no céu. No meio do céu! A lua brilhava, refletindo sua luz nas águas noturnas. Era linda a cena! Sinto sua voz, ao longe, chamando meu nome. Corri ao seu encontro. Mas, o mar (ah, o mar), não me deixou passar! Prendeu-me em seus braços e deu-me o mais doloroso castigo. Hoje, todas as noites, aguardo a chegada da lua...sem tocá-la! Sem abraçá-la! Sem sentir o seu perfume...Fico só a vê-la, no céu...e, de algum modo, posso sentir que o mar tornou-se salgado. Talvez porque o seu doce foi-se com o meu amor. Talvez porque as minhas lágrimas misturaram-se às suas águas.  

Midi Mafra

08 fevereiro 2012

Desejos, de Drummond

DESEJOS


Desejo a vocês...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho.
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.

Carlos Drummond de Andrade

Quero um mundo cheio da Graça...

Disseram-me que o ateísmo está crescendo.
Fiquei a pensar… Quem quer o mundo oco e solitário dos ateus?
Não eu!
Eu quero o mundo povoado dos cristãos, dos judeus, dos muçulmanos, dos animistas…
Quero um mundo onde a gente não esteja só.
Um mundo com anjos de pé e caídos.
De entidades, de elfos, de mística, de mágica, de mistérios…
Quero o mundo onde os tambores invoquem.
Onde a multidão de línguas estranhas dos pentecostais façam os seres da escuridão retroceder.
Quero o mundo que produziu Beethoven que, surdo, dizia ouvir a música que Deus queria escutar, a quem aplaudiu na nona.
Que produziu Shakespeare, que disse que havia mais entre o céu e a terra, do que supõe a nossa vã filosofia, e que valia morrer por amor.
Que desafiou Mozart a zombar de Deus enquanto, qual o profeta Balaão, só conseguia emitir os sons que boca de Deus entoa!
Quero o encanto catártico de Haendell gritando ALELUIA! de forma arrebatadora!
A beleza de Bach nos fazendo ver a paz da Família Eterna.
Quero mundo das lindas e majestosas catedrais e dos pregadores das praças, das esquinas, dos caminhos…
Da riqueza sonora profunda dos cantos gregorianos e dos vociferantes pregadores: convocando os homens a mudar e o Espírito Santo a se levantar contra o mal.
Quero o mundo que faça um ser humano, diante a pior das borrascas, ver o seu salvador andando sobre o mar, anunciando a possibilidade.
Aquele em que o guerreiro, diante da incerteza, se ajoelha perante o Eterno e se levanta com um brilho nos olhos, certo de que tem uma missão, um motivo para brandir a espada, porque se há de correr o sangue humano, tem de haver uma razão, que dando significado a vida o faça não temer a morte.
Um mundo de poetas e romancistas, que fazem a morte gerar vida, que contam histórias porque, em meio ao mais insano, há algo para contar, e se há o que contar, então significa; e se há como contar, então há um significante anterior, de modo que, por mais que cada leitor possa, de alguma maneira, reinventar, ninguém consegue negar que leu e, se leu, podia ser lido.
Quero a fé que faz uma menina entrar numa das melhores faculdades do pais, sonhando que, um dia, tudo o que sabe ajudará um ser desprovido de tudo, num dos miseráveis cantões do planeta, a sorrir com esperança!
Quero a loucura dos missionários que abandonam tudo no presente, certos de que levarão milhares a viver o futuro.
Quem quer o socialismo frio do ateus?
Eu quero o socialismo dos crentes que, em meio à marcha dos trabalhadores e, diante do impasse do confronto com as forças do estabelecido, grita ao megafone: companheiros, avancemos! Deus está do nosso lado!
Da ciência não quero as equações, quero o grito de “Eureka!”, onde o cálculo se mistura com a revelação.
Da matemática quero a música, a certeza de que há sons no universo, que não só os podemos cantar, mas que há quem nos ouve.
Que ouviremos a grande e última trombeta, que reunirá toda a criação para o canto da redenção.
Eu não quero capitalismo nenhum, mas prefiro o dos seres humanos que acreditavam que o trabalho é um culto ao Criador e que o seu produto tinha de gerar um mercado a serviço do bem.
Quem quer o capitalismo consumista dos ateus, que reduz a vida ao aqui e agora, e transforma todos em desesperados que, pensando que não sobrará para eles, correm para acumular para o nada?
Os ateus dizem que evoluímos, mas que não vamos para lugar nenhum; que a ciência pode tudo; que verdade é a palavra dos vencedores; que os mais fortes sobreviverão, e que é o direito natural deles.
Não! Mil vezes não!
Quero o mundo onde os fracos tenham direito ao Reino; onde os mansos herdarão a terra; onde os que choram serão consolados; onde os que têm fome e sede de justiça serão fartos; onde os que crêem na justiça estejam prontos a morrer por ela; onde os mortos ressuscitarão.
Quem quer um mundo explicado, onde tudo é virtude ou falha de um neuro-transmissor qualquer?
Quero um mundo onde a fé , o amor e a paixão curem, mudem histórias e construam caminhos! Onde os artistas tenham o que registrar!
Um mundo onde o sol nasça e se ponha, onde as estrelas, polvilhando o infinito, apontem um caminho, falem da esperança de uma grande e decisiva família, e que qualquer ser humano ao ver isso, não se envergonhe de falar: maravilha! Um Deus fez isto!
Mas não quero a teologia técnica…
Quero o Deus apaixonado dos cristãos, que abandona sua Glória e se faz gente, trazendo a divindade para a humanidade e, ressuscitado, ao voltar, leva a humanidade para a divindade!
Quero o Deus inquieto de Israel, o pai dos judeus, com quem é possível lutar.
Quero do Deus que se permite ser detido por um Jacó.
Quero o Deus chorão de Jesus de Nazaré, que mesmo a gente tendo brigado com Ele, nunca conseguiu brigar conosco.
O Deus Pai, Mãe e Filho que repartiu conosco o privilégio de ser!
Quero o mundo do medo do desconhecido, e do maravilhar-se com o desconhecido: o mundo do encanto.
Como disse o pai da filosofia moderna, o que se descobre ser ao pensar, precisa de um mundo para aterrissar, precisa que haja alguém que faça pensar valer a pena, alguém que, ao fim, é da onde se pensa, e se ele não existe, então nada existe, porque o que pensa não tem como pensar a partir de si.
Quero o mundo que ri da finitude; que desdenha das limitações; que resiste ao sofrimento; que olha para o infinito sabendo que nossa existência não é determinada pela morte ou por nossas impossibilidades; que não somos frutos de um acidente.
Quero mundo que se sustenta na fé de que ressuscitaremos, de que brilharemos como o sol ao meio dia; de que vale a pena lutar pelo bem; de que vale a pena existir!


07 fevereiro 2012

Para Ti, de Mia Couto

Para Ti 
 
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

06 fevereiro 2012

Desde as três começarei a ser feliz...

“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade!" 
[O Pequeno Príncipe]


As verdades existentes por trás de um olhar são incógnitas para um coração desejoso pela caminhada a dois. Não se pode antever os fatos. Espera-se, apenas, que o Amor, por si só, se encarregue de conduzir os passos ainda inseguros. Tropeços. Algumas quedas. E uma vida inteira te espera. Se resolveres aguardar pela chegada do Sol, não permitas que o brilho das estrelas ofusquem tua visão. Há uma luz maior que ilumina a varanda. Se, caso contrário, a tua decisão for a beleza da noite, de longe saberás que as trevas existem só para ti. E tão somente para ti!

Midi Mafra

Conto, segundo Mia Couto

O conto é feito com pinceladas. É um quadro sem moldura, o início inacabado de uma história que nunca termina. O conto não segue vidas inteiras. É uma iluminação súbita sobre essas vidas. Um instante, um relâmpago. O mais importante não é o que revela mas o que sugere, fazendo nascer a curiosidade cúmplice de quem lê. No conto o que é importante não é tanto o enredo mas o surpreender em flagrante a alma humana. No conto (como em qualquer género literário) o mais importante não é o seu conteúdo literário mas a forma como ele nos comove e nos ensina a entender não através do raciocínio mas do sentimento (será que existem estas categorias, assim separadas?) ”

De Janeiro a Dezembro...

"Com que rapidez a vida desliza de Janeiro a Dezembro!" ()


Cheiro de flores no campo. O dia raiou, trazendo consigo outras esperanças. Novas páginas sendo escritas, deixando para trás um passado que não existe mais. Os pássaros espalham seu canto pelos cantos por onde passam. Um cantar que encanta! O jardim se torna o cenário para o presente. Ar tranquilo. Cores por todos os lados! Sensações que afagam a alma, feito brisa a soprar os cabelos. Fé num amanhã turvo. Não se pode ver o que virá! As águas se tornarão límpidas apenas à medida que o caminho for sendo descoberto. Somos os responsáveis pela transparência dos nossos dias. E, só então, nos tocaremos, visceralmente, como pombas embevecidas num magistral ritual do (re)encontro.

Midi Mafra

A arte do recomeço


Tenho pensando, nos últimos dias, como é difícil recomeçar. Estamos tão habituados com a nossa rotina, que tememos o novo, assim como tememos o descontrole de nossa vida! Se assim não fosse, seria mais fácil tomar decisões. E, como se sabe, não o é!! Acostumamo-nos com o nosso olhar. Deixamos de observar o belo. Somos robôs rodeados por outros tantos robôs. Todos mecanizados pelo tempo. Todos engessados pelos próprios sofrimentos. Caminhamos em busca de novidades sem, sequer, mudarmos a nós mesmos. Sempre esperamos que o outro mude. Sempre esperamos que a vida mude! Não decidimos mudar. Ou, se decidimos, na prática, não conseguimos mudar. Recomeçar é uma arte! E quando essa arte acontece, toda a vida muda de rumo. E tudo começa fazer sentido. Ou não!

Midi Mafra

05 fevereiro 2012

Subjetividade da dor...

Subjetividade da dor

A dor da mãe que perdeu o filho...
A dor do pai que viu seu filho sair...e ainda espera seu retorno...
A dor do atleta que, por milésimos de segundo, não ganhou a prova...
A dor da saudade...
Ver alguém que ama partir...
A dor da traição...
O peso de um fardo que carrega Sozinho!
A dor da ferida...
A dor de dente!!

Impossível descrever a dor da dor!
Ela apenas dói...
Incomodando os feridos...
Torturando os aflitos!!

Simplesmente, existindo nas lágrimas que insistem em cair
ou naquelas que só o coração conhece!

Que a dor seja respeitada
como uma prece de vidas que
vivem à espera da (des)dor!

Midi Mafra